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PUBLICAÇÕES E ENTREVISTAS

2º semestre 2024

 

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Artigos publicados no segundo semestre de 2024 e Jan 2025, no Jornal A TRIBUNA, com os textos em Word para possibilitar versões para outros idiomas, se for o caso.

   TANTA TORMENTA E TANTO DANO.

   Com uma paráfrase extraída do poema Os Lusíadas – “no mar, tanta tormenta, tanto dano; na terra, tanta guerra, tanto engano” –, ousamos destacar a importância das fortificações coloniais que, ainda hoje, permeiam o vasto perímetro do Brasil, desafiando o longo passar dos séculos, as intempéries e, por vezes, o terrível abandono.

   Durante o longo período colonial, Portugal não dispunha de gente e de militares suficientes para defender o enorme espaço territorial do Brasil. O modelo aplicado foi o de “sesmarias”, responsabilizando os donatários pela execução da defesa terrestre. Eles eram obrigados a edificar a Câmara, a Cadeia e uma fortificação para a defesa aproximada, ficando Portugal apenas com a defesa marítima. E, assim, surgiu o que hoje se chama “parceria público privada”, por meio da construção de um sistema defensivo autóctone, impar mundo afora, e que hoje busca um reconhecimento pela UNESCO como Patrimônio Mundial.

   A grandeza e esplendor das espessas muralhas de pedras pintadas de branco e expostas ao sol do entardecer, assustavam os piratas, os corsários e os aventureiros de outras nações colonizadoras. A defesa funcionava em três tempos: os navios piratas até poderiam entrar nas baías litorâneas e saquear as cidades, mas eram fustigados na saída, conforme descrito no Plano de Defesa do Porto de Santos, de dezembro de 1800. A Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, efetuava um tiro de salva, repicado pelas demais fortificações e, assim, “toda a gente da vila capaz de pegar em armas deve seguir para os seus locais de defesa, levando consigo suas armas”.

   O primeiro e único forte construído na Ilha de São Vicente, para a defesa aproximada, ficava na embocadura do Rio Itororó, erguido antes mesmo da ocupação oficial da vila de Santos, empreendida por Brás Cubas, em 1546. O Forte recebeu o nome de Nossa Senhora do Monte Serrat, mas, infelizmente não foi obstáculo para o ataque do pirata holandês, John Spielberg, em1614. Ele foi desmontado em 1876 para dar lugar à Alfândega de Santos, antecedendo ao chamado Porto Organizado, criado em 1892, quando a Companhia Docas de Santos (CDS) foi implantada. As pedras da extinta fortificação foram utilizadas na construção dos primeiros metros do cais de atracação e o seu desmonte foi “compensado” muitos anos depois dando à santa católica o título de padroeira da cidade.

 

   REMINISCÊNCIA DE UMA VIDA NA CASERNA

   Há alguns anos, no passado, fui à Embaixada Americana para renovar o meu visto de entrada naquele país.  Um sargento do Exército Americano que organizava a fila de espera reconheceu a minha situação de militar, talvez pelo olhar e atitude que tomei instintivamente. Perguntou-me então: “O Sr é militar? – Sim, respondi! – Então me acompanhe, por favor!”.

   Percebi o valor imenso que os militares americanos dão aos soldados, não importa de que país ou região mundo afora.  Lembrei-me então de uma frase do presidente dos EEUU, John F. Kennedy, dirigindo-se aos soldados: “À Pátria tudo se dá, nada se pede, nem mesmo a compreensão”.

   Infelizmente, no Brasil, a alta consideração que a população tinha para com os nossos soldados – de todos aos postos, graduações ou recrutas – está se perdendo por ações que não me compete aqui analisar. Mas... haverá sempre um momento para se recordar um trecho da carta que Muniz Barreto escreveu em 1893, a El-Rei de Portugal, D. Carlos I.

“Senhor, existem, em vosso reino, umas casas onde os homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã, a um toque de corneta, levantam-se para obedecer. De noite, a outro toque de corneta, deitam-se obedecendo. Da vontade fizeram renúncia, por ofício desprezam a morte e o sacrifício físico. Quando se põem em marcha, a sua esquerda vai a coragem e à direita a disciplina”.

   Esta colocação visando valorizar o soldado e sua vida em caserna, nos faz lembrar que tivemos, há muitos anos passados, a oportunidade de lidar com grupos de trabalhadores em greve, numa grande indústria da nossa região. Os trabalhadores se organizavam para uma enorme manifestação pública. Nós éramos apenas uma centena de soldados com a missão de proteger a grande indústria de propriedade governamental. Ao anoitecer, tivemos que dialogar com mais de dois mil grevistas, subindo em um coreto para dizer-lhes que a nossa missão era apenas a de proteger a indústria e o emprego de todos eles: “Se vocês tentarem entrar na área industrial vão ter que passar sobre estes jovens soldados. Mas, se forem para a cidade, nada temos a opor”. Bem, fomos aplaudidos e cada um seguiu o seu caminho.

   Esta breve recordação comentamos recentemente com o amigo João Jorge Peralta, há época, um dos trabalhadores da grande indústria e hoje um dos meus melhores amigos. Revivemos, assim, um passado não muito recente, com muita compreensão sobre os tempos bons e ruins que a vida nos prepara.

 


 

   EU SOU A FORTALEZA DE SANTO AMARO

   Estou aqui desde 1583 desafiando o longo passar dos séculos, as intempéries e, por vezes, o terrível abandono.

Ao completar 400 anos (1583 -1983) eu estava abandonada, vilipendiada, assaltada por vândalos, quase perdida na poeira do tempo. Mas, das ruínas, ressurgi como a “Fênix”, por ação conjunta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, da Sociedade Visconde de São Leopoldo, da Universidade Católica de Santos e da Prefeitura Municipal de Guarujá. Fui adotada, por mais de trinta anos (1983-2014), pela UniSantos e, agora, hospedo o “Museu Histórico Fortaleza da Barra”, administrado pela Prefeitura Municipal de Guarujá, SP.

            Minha “certificação de nascimento”, com 12 páginas manuscritas, está no Archivo General de Indias, Sevilha, Espanha, datado de 5/8/1583, charcas 41, Doc 27, página 6, do almirante Dom Diogo Flórez Vadés ao rei Felipe II de Espanha (Felipe I de Portugal).  O almirante Valdés, “Capitão General das Costas do Brasil”, no início do longo período de união das coroas ibéricas (1580-1640), percorreu o litoral pouco recortado da América do Sul, com dezesseis naus da Invencível Armada espanhola, entre setembro de 1582 e maio de 1584. Além da missão principal que lhe foi atribuída por Felipe II - fortificar o Estreito de Magalhães e empossar o seu governador, Pedro Sarmiento de Gamboa -, Valdés aportou nas principais baías do Brasil-colônia para reconhecer, abastecer e indicar simbolicamente o domínio espanhol sobre a colônia de origem portuguesa. Três naus da esquadra espanhola (Almirante, Concepción e Begônia) sob comando de Andrés Aquino, surpreenderam na Baía de Santos, dois navios ingleses, sob comando de Edward Fenton, abastecendo para rumar o Estreito de Magalhães e alcançar o Oceano Pacífico. Houve um combate na tarde de 24 de janeiro de 1583 e, sob o troar dos canhões, o navio Santa Maria de Begônia sofreu avarias e parte do seu armamento e equipamento foram utilizados na minha construção, inicialmente em taipa militar, com desenho de Bautista Antonelli, arquiteto militar da esquadra de Valdés e membro da família construtora de sistemas defensivos na Europa, na África e na América, à serviço de Espanha. Dentre os cerca de 100 marinheiros espanhóis que ficaram em Santos, estava o carpinteiro Bartolomeu Bueno, o “espanhol”, pai de Jerônimo e Amador Bueno e avô do bandeirante de mesmo nome e conhecido como “Anhanguera.”

Foi assim que surgi na encosta litorânea deste esporão rochoso, com vista para todas as praias da Baía de Santos e amplo domínio sobre a embocadura do estuário onde hoje está o maior porto da América do Sul. Ganhei, no último quartil do século XIX, duas “sentinelas avançadas”: o Forte do Crasto,1734, (hoje Museu de Pesca) e o Fortim do Góes, 1767, (hoje em ruínas). Em 1902 fui substituída pela Fortaleza de Itaipu, voltada para o mar aberto, com vistas e fogos mais profundos. Mesmo assim, no final do Século XX, ganhei uma moderna cobertura de aço cos-a-cor, com projeto do arquiteto Lúcio Costa, um dos construtores de Brasília, e o enorme painel “Vento Vermelho”, de Manabu Mabe, cobrindo toda a parede do antigo altar da Capela de Santo Amaro. Guardo lembranças de muitos séculos, ostento o título de Patrimônio Histórico Nacional (1967) e orgulho-me de estar na Lista Indicativa 2015 enviada à UNESCO para concorrer ao título de Patrimônio Mundial

Mas (...), estou com receio de perder a imensa cobertura de aço cos-a-cor que cobre as minhas ruínas, como se fosse um imenso guarda-chuva apoiado apenas nos quatro cantos, pois a ferrugem avança e nunca recebi a manutenção devida. Também não tenho acesso ao painel Vento Vermelho, pois o assoalho da antiga Capela de Santo Amaro está cedendo por ação dos cupins. Assusta-me também, a possível instabilidade de uma enorme pedra assentada sobre uma rocha firme abaixo de uma das minhas guaritas. Um simples “encunhamento” pode resolver esta ameaça desastrosa.

Você pode me ajudar?

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Creio que seria assim, a súplica de um monumento histórico que sobrevive por mais de 450 anos.

Elcio Rogerio Secomandi - Academia Santista de Letras