Julgamos oportuno reproduzir os artigos publicados nos dia 6 de julho e 8 de setembro de 2024, Jornal A TRIBUNA, com os texos em Word para versões em outros idiomas, se for o caso.
EU SOU A FORTALEZA DE SANTO AMARO
Estou aqui desde 1583 desafiando o longo passar dos séculos, as intempéries e, por vezes, o terrível abandono.
Ao completar 400 anos (1583 -1983) eu estava abandonada, vilipendiada, assaltada por vândalos, quase perdida na poeira do tempo. Mas, das ruínas, ressurgi como a “Fênix”, por ação conjunta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, da Sociedade Visconde de São Leopoldo, da Universidade Católica de Santos e da Prefeitura Municipal de Guarujá. Fui adotada, por mais de trinta anos (1983-2014), pela UniSantos e, agora, hospedo o “Museu Histórico Fortaleza da Barra”, administrado pela Prefeitura Municipal de Guarujá, SP.
Minha “certificação de nascimento”, com 12 páginas manuscritas, está no Archivo General de Indias, Sevilha, Espanha, datado de 5/8/1583, charcas 41, Doc 27, página 6, do almirante Dom Diogo Flórez Vadés ao rei Felipe II de Espanha (Felipe I de Portugal). O almirante Valdés, “Capitão General das Costas do Brasil”, no início do longo período de união das coroas ibéricas (1580-1640), percorreu o litoral pouco recortado da América do Sul, com dezesseis naus da Invencível Armada espanhola, entre setembro de 1582 e maio de 1584. Além da missão principal que lhe foi atribuída por Felipe II - fortificar o Estreito de Magalhães e empossar o seu governador, Pedro Sarmiento de Gamboa -, Valdés aportou nas principais baías do Brasil-colônia para reconhecer, abastecer e indicar simbolicamente o domínio espanhol sobre a colônia de origem portuguesa. Três naus da esquadra espanhola (Almirante, Concepción e Begônia) sob comando de Andrés Aquino, surpreenderam na Baía de Santos, dois navios ingleses, sob comando de Edward Fenton, abastecendo para rumar o Estreito de Magalhães e alcançar o Oceano Pacífico. Houve um combate na tarde de 24 de janeiro de 1583 e, sob o troar dos canhões, o navio Santa Maria de Begônia sofreu avarias e parte do seu armamento e equipamento foram utilizados na minha construção, inicialmente em taipa militar, com desenho de Bautista Antonelli, arquiteto militar da esquadra de Valdés e membro da família construtora de sistemas defensivos na Europa, na África e na América, à serviço de Espanha. Dentre os cerca de 100 marinheiros espanhóis que ficaram em Santos, estava o carpinteiro Bartolomeu Bueno, o “espanhol”, pai de Jerônimo e Amador Bueno e avô do bandeirante de mesmo nome e conhecido como “Anhanguera.”
Foi assim que surgi na encosta litorânea deste esporão rochoso, com vista para todas as praias da Baía de Santos e amplo domínio sobre a embocadura do estuário onde hoje está o maior porto da América do Sul. Ganhei, no último quartil do século XIX, duas “sentinelas avançadas”: o Forte do Crasto,1734, (hoje Museu de Pesca) e o Fortim do Góes, 1767, (hoje em ruínas). Em 1902 fui substituída pela Fortaleza de Itaipu, voltada para o mar aberto, com vistas e fogos mais profundos. Mesmo assim, no final do Século XX, ganhei uma moderna cobertura de aço cos-a-cor, com projeto do arquiteto Lúcio Costa, um dos construtores de Brasília, e o enorme painel “Vento Vermelho”, de Manabu Mabe, cobrindo toda a parede do antigo altar da Capela de Santo Amaro. Guardo lembranças de muitos séculos, ostento o título de Patrimônio Histórico Nacional (1967) e orgulho-me de estar na Lista Indicativa 2015 enviada à UNESCO para concorrer ao título de Patrimônio Mundial
Mas (...), estou com receio de perder a imensa cobertura de aço cos-a-cor que cobre as minhas ruínas, como se fosse um imenso guarda-chuva apoiado apenas nos quatro cantos, pois a ferrugem avança e nunca recebi a manutenção devida. Também não tenho acesso ao painel Vento Vermelho, pois o assoalho da antiga Capela de Santo Amaro está cedendo por ação dos cupins. Assusta-me também, a possível instabilidade de uma enorme pedra assentada sobre uma rocha firme abaixo de uma das minhas guaritas. Um simples “encunhamento” pode resolver esta ameaça desastrosa.
Você pode me ajudar?
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Creio que seria assim, a súplica de um monumento histórico que sobrevive por mais de 450 anos.
Elcio Rogerio Secomandi - Academia Santista de Letras