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3. CAPÍTULO II - PELO MAR EM BUSCA DA UNIDADE NACIONAL

1. Foi assim ou quase assim ...

Elcio Rogerio Secomandi

  Coronel de Artilharia, veterano

  Professor Emérito da Universidade Católica de Santos

    “O maior assombro da nossa História é a unidade nacional”

         Foi assim ou quase assim que tudo começou na parte central de uma estreita e alongada planície outrora coberta pela Mata Atlântica, onde existem dois estreitos canais de navegação que se aproximam das “muralhas de pedras” da Serra do Mar.

      

Foi assim ou quase assim que as vilas de São   Vicente (1532) e de Santos (1540) surgiram em áreas protegidas pela natureza e longe das “vistas” do mar aberto e dos “fogos” dos canhões dos piratas e dos corsários (*1).

     Ao longo dos séculos XVI ao XVIII, outras “muralhas de pedras” – fortins, fortes, fortalezas – foram erguidas pelos colonizadores para proteger a primeira “cabeça de praia” (base militar em terra firme), edificada na Baía de Santos para dar apoio à conquista de novas terras “nunca dantes” exploradas.

   Foi assim ou quase assim, “passo-a-passo” e prosseguindo no caminho da organização militar que, o Brasil – Colônia e Império – expandiu-se inicialmente, a partir da Capitania de São Vicente, segundo J. B. Magalhães.

 

    E foi assim também, neste clima de povoamento e conquistas territoriais, que se deu uma das primeiras e mais emblemáticas ações marítimas, unindo portugueses, colonos e índios para expulsar os franceses que ocupavam a Baía de Guanabara, entre 1555 e 1567. As batalhas resumidas neste livro digital foram revividas 450 anos depois da epopeia que deu início à fundação da Cidade do Rio de Janeiro.

   Ressalta-se, de imediato, a importância de duas fortificações com o mesmo nome Santo - São João -, ambas indicadas para o Patrimônio Mundial. Foi, sem dúvida, a primeira projeção do poder, pelo mar, apenas em águas territoriais brasileiras, garantidora da unidade nacional, já no início da colonização do Brasil.

   Em 1565, Estácio de Sá partiu do Forte de São João, hoje Bertioga, SP, com cinco naus e caravelas, para estabelecer uma posição tipicamente militar no istmo que liga os morros “Pão de Açúcar e Cara de Cão”, situado entre o mar aberto e a Baía de Guanabara. Ali estabeleceu o que hoje se chama de “cabeça de praia”, ou seja, um local seguro e fortificado para se passar das operações marítimas para as operações terrestres ou de prosseguimento. O ataque final aos franceses só ocorreu dois anos depois (1567), expulsando-os após duas batalhas navais descritas neste ensaio acadêmico.

2. A conquista da Baía de Guanabara

   Sem pretensões acadêmicas ou de estudos militares aprofundados, este ensaio aborda as operações navais conduzidas pelos portugueses e gente da terra, que resultaram na fundação do Rio de Janeiro, a partir da antiga Capitania de São Vicente

   E tudo começou com as Ordenações Afonsinas (D. Afonso V), tendo como “escolas vivas da guerra” as operações militares portuguesas realizadas com o propósito de “assegurar sua sobrevivência frente às monarquias vizinhas e às campanhas de reconquista do território lusitano em poder dos mouros”. Todavia, foi com o seguimento da política de navegação e descobrimentos marítimos lançada pelo Infante D. Henrique, no início do século XVI, que novas doutrinas militares foram colocadas em prática, separando os “combatentes de terra dos combatentes do mar”, dentre as quais a criação de “unidades táticas denominadas bandeiras, companhias ou ordenanças” (*2).

   Foi nessa época, início do século XVI, que D. João III (1503/1557) resolveu explorar as terras do Brasil por meio das capitanias hereditárias, resultado da experiência adquirida na África e nas ilhas próximas [...]: “o donatário era um ‘locotenente’ do rei e os filhos da terra, os escravos e os agregados, em caso de guerra, ficavam obrigados a servir sob seu comando. As autoridades do reino forneciam-lhes (sic) armas, munições e até mesmo alguns oficiais de linha [...], mantendo, contudo, a defesa marítima a cargo do reino”. Dessa forma, “as tropas regulares, pagas pela Coroa, ficaram responsáveis pela defesa das rotas mercantis, e as forças não regulares, denominadas serviços de ordenanças, convocadas e mantidas em caso de guerra pelos donatários e capitães, garantiam a defesa da terra” (*3).

   Neste contexto histórico pretende-se inicialmente revisitar o Perfil Militar da Capitania de São Vicente, região onde Martim Afonso de Souza aportou no dia 2 de janeiro de 1532, com uma esquadra composta por “fidalgos, militares de estirpe, soldados portugueses, mercenários, italianos e franceses, bombardeiros, besteiros e espingardeiros”.

   Não foi por acaso que o primeiro capitão-mor do Brasil escolheu a região da baía de Santos para estabelecer sua “cabeça de praia”, após mandar reconhecer todo o litoral atlântico da América do Sul, desde a foz do Amazonas até a foz do Rio da Prata (*4).

   A Vila de São Vicente, estruturada com a primeira Câmara Legislativa do Brasil, aprovou, por meio do Termo (Resolução) de 9 de setembro de 1542, um “esboço do serviço militar obrigatório, que dava organização a uma milícia formada por colonos e índios”(*5).   

   Com o fracasso da maioria das capitanias hereditárias, em 1548 foi criado o Governo-Geral do Brasil, tendo Salvador (BA) como capital por mais de 200 anos.  O Regimento de 17 de dezembro de 1548 sistematizou a defesa da Colônia, obrigando [...] “todo colono habitante da terra a possuir uma arma de fogo, pólvora e chumbo e aos proprietários de engenho de terem a pólvora necessária para acionar dois falcões (canhões de pequeno calibre)” (*6).  

   Tomé de Souza, primeiro governador-geral, em viagem ao sul, 1552/3, tomou providências para concluir “[...] as obras de defesa contra os tamoios, os quais, sempre instigados pelos franceses [do Rio de Janeiro], traziam as populações de São Vicente, Santos e Santo Amaro, em constante sobressalto”.

   Uma das providências foi o provimento de armas e equipamentos para as fortificações da Barra de Bertioga, local de encontro entre tribos indígenas inimigas: “[...] os tupiniquins, aliados dos portugueses, e os tamoios, aliados dos franceses”, que ocupavam a Baía da Guanabara (*7).

   Com uma legislação voltada para a defesa da terra, pôde a colônia dar início à expedição que viria fundar o Rio de Janeiro, a partir da Capitania de São Vicente, pois, na Baía da Guanabara, corsários franceses, comandados pelo vice-almirante Nicolau Durant Villegaignon, com apoio do conde de Coligny – almirante Gaspar de Châtillon, protestante calvinista – fundaram a França Antártica (10 de novembro de 1554).

   Foi nessa situação que, em 1557, o terceiro governador-geral, Mem de Sá, veio encontrar a colônia portuguesa, “[...] agravada pela repercussão na Metrópole da incapacidade demonstrada por Duarte da Costa” – 2º governador-geral – para expulsar os invasores.

   De imediato, Mem de Sá “fundou na capitania do Espírito Santo, uma base terrestre capaz de fornecer o indispensável apoio cerrado às operações e de impedir a expansão dos franceses para o norte, barrando-lhes o acesso fácil à capital da colônia – Salvador” (*8). 

   A 15 de março de 1560, uma sexta-feira, teve início o ataque de Mem de Sá ao Forte Coligny – Ilha de Villegaignon, onde hoje está a Escola Naval –, conforme reconstituição esquemática ao lado.  No dia seguinte, sábado, “cerca de 200 franceses e 800 tamoios” fugiram para o interior. “No domingo, pela primeira vez foi rezada missa de ação de graças naquela ilha”.

   “Mem de Sá determinou fosse o forte arrasado, apressando-se em abandonar a área sem deixar um único defensor. Este procedimento, pouco depois, invalidaria todo aquele esforço de luta” e, por causa dessa improvidência, os tamoios, aliados dos franceses e por eles insuflados, passaram a mover guerra implacável a todas as povoações portuguesas na Capitania de São Vicente (*9).

   Em 1563, Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, veio de Portugal, com dois navios de guerra e ordens expressas para expulsar definitivamente o invasor francês (Villegaignon). “Com os meios que Mem de Sá, em Salvador, pôs à sua disposição, partiu para o Rio de Janeiro em princípios de 1564. Hostilizado, entretanto, pelos tamoios, prosseguiu para São Vicente, já ciente de que alguns índios haviam quebrado a paz de Iperoig” (*10). [...]. Em São Vicente Estácio de Sá encontrou o padre José de Anchieta reunido com vários chefes indígenas, dentre os quais Cunhambebe, cacique tupinambá e que se tornou valioso aliado.

   Os preparativos para a expedição foram demorados, mas contaram com o incentivo e apoio do padre Manuel da Nóbrega, Provincial dos Jesuítas no Brasil. Após abastecer as naus da expedição, Estácio de Sá rumou para o Rio de Janeiro, dando origem à epopeia assim descrita do compêndio História do Exército Brasileiro:

   “A 1º de março de 1565, Estácio de Sá desembarcou e iniciou os trabalhos de fortificação e construção das primeiras casas na várzea ao lado do Pão de Açúcar e do morro Cara-de-Cão, erigindo a Vila Velha, que daria origem à cidade do Rio de Janeiro” (*11).

   A figura abaixo reproduz os esquemas das duas manobras empreendidas contra os franceses na Baía de Guanabara.

Em meados de janeiro de 1567, Estácio de Sá, após receber reforços vindos da Metrópole e poderoso contingente composto por fidalgos, habitantes da terra e índios mobilizados pelos padres Nóbrega e Anchieta na Capitania de São Vicente, a expedição partiu do Forte São Tiago (hoje Forte São João de Bertioga) para o Rio de Janeiro, sob comando de Cristóvão de Barros.

Diagrama

Descrição gerada automaticamente1 – Projeção do Poder pelo mar, saindo do Forte de São João, Bertioga, no dia 22 de janeiro de 1565.

2 – Desembarque no istmo que liga os morros Pão de Açúcar e Cara de Cão (Urca, Rio de janeiro) no dia 1º de março de 1565. Construção do que hoje se chama “cabeça de praia”, ali permanecendo até 1567, quando se deu a expulsão definitiva dos franceses que ocupavam a Baía de Guanabara, desde 1555.

3 – Ataques simultâneos às bases francesas (hoje: Ilha do Governador e Ilha de Villegagnon.

   “Ficou decidida, em conselho, a data de 20 de março para início da ofensiva. Depois de rezada missa campal, iniciaram-se os ataques, primeiro contra Uruçu-mirim (hoje Praia do Flamengo) e em seguida contra o Forte de Paranapuã, na ilha dos Maracajás (hoje Ilha do Governador), conforme reconstituição esquemática no desenho ao lado. Os franceses, que deles escaparam, tomaram suas naves e desapareceram da baía da Guanabara”, (...) estabelecendo-se, porém, em Cabo Frio.

   Conclui o texto sobre a História do Exército Brasileiro: “Foi inestimável o auxílio tanto da gente de São Vicente e Itanhaém quanto dos jesuítas, para o desfecho feliz das operações que culminaram com a expulsão dos franceses da Guanabara (...). Estácio de Sá, ferido por uma flechada, veio a falecer cerca de um mês depois” (*12).

 Foi naquele período histórico, meados do século XVI, que a Vila de São Paulo foi fundada (1554), e o Brasil se expandiu para muito além do “Cordão de Tordesilhas”.

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